1º Domingo da Quaresma
M Mons. Vincenzo Paglia
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Evangelho (Mc 1,12-15) - Naquele momento, o Espírito empurrou Jesus para o deserto e ele permaneceu quarenta dias no deserto, tentado por Satanás. Ele estava com as feras e os anjos o serviram. Depois que João foi preso, Jesus foi para a Galiléia, proclamando o evangelho de Deus, e disse: «O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo; converta-se e creia no Evangelho”.

O comentário ao Evangelho de Monsenhor Vincenzo Paglia

Na quarta-feira passada, depois de recebermos a cinza sobre a cabeça, iniciamos juntos a peregrinação quaresmal rumo à Páscoa da ressurreição, acontecimento central da nossa fé que diz respeito à salvação do mundo inteiro. Não é por acaso que a página bíblica do Gênesis que a Sagrada Liturgia nos oferece diz respeito à humanidade na sua totalidade. O autor bíblico relata que, quando terminou o dilúvio, apareceu um arco-íris que uniu o céu e a terra. E é o próprio Deus quem dá a interpretação, que diz respeito pessoalmente a ela. O arco-íris “é o sinal da aliança que faço entre mim e você e cada ser vivo que está com você, para todas as gerações futuras”. Deus coloca este arco colorido como um sinal para Si mesmo, como um aviso para não esquecermos os povos da terra, todos os povos. Ainda estamos antes da eleição de Israel. Claro, ele teria muitos motivos para esquecer os povos, dadas as guerras, os conflitos, as injustiças e as desigualdades que invadem o mundo como uma inundação destrutiva. Mas continua a tranquilizar-nos: «quando o arco aparecer nas nuvens, lembrar-me-ei da minha aliança». Que esta Quaresma seja para todos nós o que o arco-íris é para o Senhor: um tempo em que nos lembremos da aliança com Ele, do seu amor por nós.
A Quaresma na verdade simboliza toda a nossa vida. É o que parece sugerir o evangelista Marcos com a sua brevíssima narrativa que nos foi anunciada neste primeiro domingo da Quaresma. Marcos – ao contrário de Mateus e Lucas – não narra as tentações de Jesus no deserto, apenas sugere que durante os quarenta dias Jesus está com as feras que o atrapalham, mas também com os anjos que o servem. É como se existissem duas posições que se confrontassem: Jesus, o Espírito e os anjos de um lado e Satanás e as feras do outro. Não é a narrativa de um momento, mas a síntese da vida de Jesus no deserto deste mundo. Jesus é impelido pelo Espírito a entrar no deserto, nota o evangelista. É uma escolha que poderíamos chamar de missionária, espiritual, de testemunhar o amor de Deus no meio das forças do mal. Jesus, verdadeiro amigo dos homens, entrou no mundo para combater o inimigo do homem, para derrotar aquele que semeia a divisão e que faz deste nosso mundo um deserto de amor.
Mas Jesus – sugere o evangelista Marcos – derrota o príncipe das divisões, afasta as feras do mal que tornam a vida amarga. Parecem ecoar as palavras do Salmo 91 que asseguram ao salmista: “os anjos te carregarão nas mãos, para que o teu pé não tropece em alguma pedra. Você pisará leões e víboras, esmagará leões e dragões jovens” (vv. 12-13). O Senhor - como aconteceu com Jesus naqueles quarenta dias - dá-nos o Seu Espírito e os seus anjos estão ao nosso lado para derrotar o mal. E a sua pregação retoma a de João para afirmar que chegou a hora, que o Reino de Deus está próximo. Sim, não há mais espera, chegou a hora: o Reino já está entre nós.
Nestes quarenta dias, enquanto a violência continua a assolar o mundo, a Liturgia da Igreja acompanha-nos e exorta-nos a deixar-nos guiar pelo Espírito, a converter o nosso coração a Deus, a esvaziá-lo dos medos, da frieza, do ressentimento, da inimizade , de desconfiança e enchê-lo com Seu amor. Assim, não só nos aproximaremos de Jesus, mas também ajudaremos outros a encontrá-lo, a ouvir o seu evangelho e a encontrar o caminho para a paz. Neste tempo, ouvir o Evangelho todos os dias é a nossa primeira tarefa, o nosso primeiro trabalho para crescer no amor a Deus e aos pobres. Sabemos bem – repetimos muitas vezes nestas páginas – que o mundo muda se o nosso coração mudar. Sim, assim como o pecado e a cumplicidade com o mal sempre têm um efeito triste sobre os outros, também um coração novo que sabe comover-se ajuda a limpar o mundo da violência e da maldade. Um bom coração torna a vida de muitos boa. E este tempo é um tempo de graça para nos reunirmos à volta de Jesus e deixarmo-nos envolver mais generosamente na sua missão: sentiremos no coração a força do seu Espírito que nos impele a entrar com Ele no deserto deste mundo e nós também veremos o número de anjos: servindo juntos os pobres e os fracos, derrotamos o Mal e o seu príncipe e aceleramos a vinda do Reino de Deus e a sua paz.